domingo, 8 de junho de 2008

Uma Infância Feliz


O Vô Miguel sempre dizia "sossega,menina, parece que você está com o bicho carpinteiro". Nunca sosseguei e nunca descobri o que era êsse tal bicho. Bicho-do-pé,conheci -"bota o tamanco, menina", bicho-de-fruta, de goiaba, de pêssego, de ameixa, tambem. "Desce da árvore, menina que vou chamar tua vó, olha o chinelo". Aí que subia mais ainda, que não sou boba, para o chinelo na mão da vovó não me alcançar. E, pior, ainda arrastava as primas mais novas (pouca coisa mais novas, tá). Argumentos para isso, na verdade, não eram necessários. Era só ir primeiro. Infância com jabuticaba, amora - "pra ver quem você namora", assistir jogo de bocha dos adultos, à noitinha, futebol no campinho aos domingos. Campinho da vila, da família e de uns poucos vizinhos desde sempre que eram pràticamente família. Festa junina, no campinho, com direito à fogueira, bandeirinhas, barraquinhas. As tias e vizinhas - porque naquele tempo uma coisa era uma coisa outra coisa era outra coisa. Tia é tia ,amiga é amiga, com o maior respeito, dona Julia, dona Lourdes...Mas as mulheres da vila faziam o pé-de-moleque, cocada, queijadinha e até quindim. Alguem fazia quentão. Se estava frio e era quentão porque não podíamos beber? "criança toma chocolate". "Sai de perto do fogo, senão faz xixi na cama". Batata-doce assada na fogueira, preta que nem carvâo, difícil de achar, tanto, que muitas vezes só no dia seguinte, entre as cinzas e brasas restantes. Íamos cedinho,antes dos outros. Quem eram os outros? mania... Os "grandes" podiam pular fogueira, por que nós não? éramos mais espertas, sabíamos disso...Caixote de pescaria, bola de meia na pilha de latas, prendas pra valer,o porquinho-da-india perdido no círculo entre as casinhas- nunca entrava na minha, por que?
Eu e as primas éramos mais espertas do que os adultos (?!?!) Sabíamos entrar no caramanchão trancado da vovó, ver os peixinhos do tanque, achar joaninhas, incomodar os grilos, seguir as formigas, achar as cigarras... "se quebrar as samambaias o chinelo vai cantar"- nunca cantou. Colhíamos verduras na horta, que a vovó pedia, pegávamos ovos no galinheiro, sabendo que ia ter bolo à tarde. Tomávamos banho
na caixa d'agua, escondido, é claro, lá no alto, onde chegávamos subindo na árvore e atravessando por um galho. Grumixama, fruta-do-conde, pitanga, caqui. Nunca nos deparamos com "a cobra escondida nas bananeiras" onde moravam e faziam ninhos patos e marrecos,e às vezes alguma galinha esperta, fugida, e nem encontramos o Bicho Papão. Êle que tinha medo de encontrar a gente. "Sossega, menina, você é da pá virada". Desvira, ué...

Um comentário:

Anônimo disse...

E que bom que você foi "da pá virada"! A curiosidade que você mostrou que tinha desde pequena com certeza é o que hoje rege o que você é: médica, filósofa, fotógrafa, escritora...
Um beijo,
2A

PROCURO UMA CLAREIRA, UMA OCARA, UM ESPAÇO, PARA ENCONTROS E TROCAS

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AQUI SEGUEM OS RELATOS DAS MINHAS AVENTURAS E DESVENTURAS, SÒZINHA OU COM MINHA FAMÍLIA ONDE MUITOS NÃO GOSTAM DA MATA OU DE MIM.

Reinício em 11/02/2011